Obra: sempre um bom motivo para uma desculpa

 1. “O escopo da obra mudou! Não foi isso que planejamos!”

Algumas mudanças de escopo, em determinados níveis, podem ser absorvidas por um bom planejamento da obra

O escopo deve ser o objeto do empreendimento, delineando bem a construção, e ao qual o engenheiro de obras presumivelmente pautou seu preço. Acontece que, muitas vezes, o proprietário (cliente da obra) decide alterar componentes do objeto original, seja porque decidiu mudar o tipo de piso, por exemplo, seja por uma demanda posterior (decidiu incluir uma garagem subterrânea não considerada antes). Outro aspecto possível a considerar é que o projeto não tenha “captado” situações de terreno, como por exemplo, lençol freático, rocha, linhas enterradas, entre outras particularidades. Como a mudança de escopo invariavelmente acarreta a realização de serviço adicional, retrabalho, mobilização de novos equipamentos e até o envolvimento de projetistas (calculista, por exemplo), é normal que haja aumento do custo da obra.

Alterações x impactos
Quanto mais tarde uma alteração de escopo for autorizada (ou solicitada), maior a chance de haver impacto no prazo e no custo da obra. O ideal é que as alterações sejam feitas no início da obra, quando o engenheiro poderá avaliar melhor a repercussão da mudança no cronograma.”Certa vez, numa obra de reforma de um casarão histórico, as equipes descobriram um porão oculto havia décadas. Ao constatar esse fato novo, o arquiteto tirou partido do elemento e bolou um reforço metálico de pilares para aproveitar a área como despensa. Se o ajuste demorasse muito, o acesso dos perfis metálicos teria sido dificultado (se não impossibilitado) e o cronograma e orçamento da obra teriam sofrido ainda mais impacto”, avalia Aldo Dórea Mattos, consultor em orçamento e planejamento de obras. 

Elaborar um cronograma prevendo alteração de escopo posterior é considerado um exercício de futurologia e, exatamente por isso, é uma prática que deve ser evitada. O ideal é que o escopo seja bem avaliado e estruturado já na concepção do projeto. Porém, se for realmente necessário contratar a obra ainda sem plena convicção do escopo final do empreendimento, o mais prudente é incorporar uma contingência de tempo no cronograma, ao final do caminho crítico da obra. Dimensionar a contingência é algo empírico, que vai depender da percepção do quanto de alteração de escopo se estima para determinado projeto.

Marcelo Scandaroli

“Aprendi que obra sem projeto não tem preço, nem prazo. Por isso, recomendo que ao colocar os custos para fazer uma determinada obra, deixe sempre bem claro a versão dos desenhos que lhe foi enviada e registre todos os detalhes. Diário de obra é importante para deixar tudo registrado e informado. Não havendo sondagem, por exemplo, faça questão de frisar que seu preço se baseia em escavação de solo. Não havendo especificação de louças e metais, deixe patente que o preço não inclui tais elementos. O importante é amarrar orçamento com escopo. Dar preço para eventualidades é um risco enorme.”

Aldo Dórea Mattos
consultor em orçamento e planejamento de obras

2. “Eu já tinha avisado que não ia dar certo, mas ninguém me ouviu” 
Entender o que acontece quando determinado resultado não atinge as expectativas desejadas é o primeiro passo para reorganizar as ações. Vale inclusive fazer uma autoanálise e perceber o quanto esse resultado pode estar sendo sabotado inconscientemente – e porquê!

No contexto da construção civil, mais especificamente com o foco sobre o engenheiro de obras, a frase “Eu já tinha avisado que não ia dar certo, mas ninguém me ouviu” nos posiciona frente à constatação de um erro ou de uma não conformidade que demandará recursos e esforço para que seja corrigida ou, ao menos, contornada. Nesta situação, mesmo que o engenheiro de obras estivesse correto quando tentou fazer o seu alerta, uma reflexão conveniente poderia ser: ele não foi suficientemente competente no seu processo de argumentação e comunicação e não conseguiu convencer seus interlocutores. Tampouco conseguiu o que seria mais importante neste caso: evitar o erro e o prejuízo. A realização desta tarefa demandou tempo de execução, consumiu recursos, envolveu a ação de pessoas. Quanto tempo se passou entre a tentativa de alerta ineficaz do engenheiro e a efetiva constatação do erro?

Polivalência e comprometimento
Com um mercado visivelmente aquecido já há alguns anos, os reflexos dessa demanda são “mais e mais obras construídas”, entregues em prazos cada vez mais curtos. Com isso, parece haver reflexos também no próprio comportamento dos profissionais que, pressionados, acabam sabotando resultados, ainda que de forma inconsciente. Nas décadas de 70 e 80, por exemplo, o engenheiro de obras se mostrava mais polivalente, criativo, ousado. “Ele experimentava mais; hoje está “engessado” e, com isso, acaba buscando saídas para se desculpar de prazos estourados ou problemas de ordem patológica (erros técnicos). “É preciso entender que nesse setor, a mão de obra é muito artesanal. Sendo assim, o improviso é essencial, e deve ter o comando de voz do engenheiro de obras”, avalia Marcel Zanin Mauro, engenheiro civil, diretor de Operações da Construtora Paulo Mauro e membro da VIP (Vice-Presidência de Incorporações) do Secovi-SP.

Na receita para administrar um estouro de planejamento (com falhas técnicas) ou estouro de custos, a capacidade de “se virar em mil” torna-se bastante necessária. É comum ouvir comentários da geração mais antiga de engenheiros sobre a falta desse “jogo de cintura” dos novos profissionais. Zanin Mauro reforça a tese: “Um engenheiro, no passado, tinha grande noção de elétrica, hidráulica e arquitetura também. Hoje, até por conta de uma formação mais deficitária e o próprio aquecimento do setor, há escassez de profissionais mais completos”. O papel da polivalência, aliás, tem sido ocupado há tempos pelo encarregado de obras, outro profissional raro. É ele quem faz a interface entre a hidráulica, a elétrica, a carpintaria e as outras áreas.

E como a velocidade em que se constroem novos empreendimentos é patente, as estruturas ficaram mais inchadas também, tornando-se ainda mais importante a atuação do engenheiro de obras junto às outras áreas. Segundo o diretor da Paulo Mauro, para ser um profissional mais completo, ele deve ir além da visão técnica e administrativa, deve focar o aspecto humano, ter compromisso com o operário e com o consumidor final. “E nessa relação, fica mais fácil colocar os problemas na mesa, na busca por soluções. A interação de toda a equipe é essencial para que tudo dê certo”.

Acervo pessoal

“Quem compra a casa própria provavelmente está realizando um grande sonho. Por isso, o esforço para alcançar a qualidade deve ser total. A má qualidade de um empreendimento não deixa marcas negativas apenas na construtora, mas reflete na imagem dos profissionais responsáveis também. Por isso, adotar uma gestão de qualidade, pautada numa boa relação de trabalho, certamente  vai afastar toda e qualquer necessidade de justificativas e desculpas, porque o resultado certamente vai ser o almejado.”

Marcel Zanin Mauro
engenheiro civil, diretor de Operações da Construtora Paulo Mauro e membro da VIP (Vice-Presidência de Incorporações) do  Secovi-SP (Sindicato da Habitação de São Paulo)

3. “Não dá! Vai ficar mais caro”
Sem uma análise global, não dá para dimensionar custos, que podem variar muito de acordo com a situação de cada obra. Então por que um parecer tão precipitado. Com alguns ajustes, uma solução pode se viabilizar

Algumas considerações preliminares devem ser levadas em conta para que não se esbarre em equívocos no orçamento. Em primeiro lugar, é preciso conhecer o perfil do engenheiro de obra, como também suas responsabilidades e autonomia nas decisões associadas ao custo de obra e em relação à política da empresa construtora.

“Entre as características recomendáveis de um engenheiro de obra estão o espírito crítico e desenvolvimentista para novas tecnologias e processos, ser colaborativo em relação aos demais setores, além de ter motivação para pesquisa de alternativas inovadoras diante das inúmeras dificuldades encontradas ao longo da construção. É importante também ter humildade e aprender a buscar ajuda, solicitando colaboração aos profissionais que possam auxiliar na solução das dificuldades”, pondera Pedrinho Goldman, engenheiro civil e diretor da Pekman Engenharia, empresa especializada em planejamento e gerenciamento de edificações. A autonomia do engenheiro deve estar sempre associada à política e às características da construtora – que podem ser flexíveis ou não – para que nela seja amparado seu poder de decisão.

Custos variáveis
Quaisquer modificações de projetos e de especificações devem levar em conta o orçamento inicial, para que não se comprometa o resultado do empreendimento. “Dessa forma, a resposta ficaria embasada em uma consulta prévia ao planejamento da obra. Uma resposta técnica sem a análise do orçamento torna-se inadequada”, observa Goldman.
Em geral, as solicitações estão relacionadas às modificações ou ampliações de projeto, modificações e melhoria de qualidade das especificações de acabamentos e equipamentos do empreendimento, alteração dos processos construtivos, aumento do prazo da obra, inserção de produtos e serviços não previstos em projetos e no orçamento.

Quando ocorrem solicitações como essas, é necessário que seja feita uma análise com base no orçamento inicial, assim como na política da empresa construtora e o seu comprometimento em relação ao resultado do empreendimento. Essas considerações são indispensáveis para que o engenheiro possa responder à solicitação de forma adequada. Antes de afirmar “Não dá, vai ficar mais caro!”, o engenheiro de obras deve ponderar baseado em análises criteriosas, que obviamente demandam tempo. Conheça algumas das situações em que a resposta negativa surge quase como um reflexo da situação.
Se num empreendimento com projetos, especificações, custos e preços de vendas pré-definidos o arquiteto fizer uma solicitação para que as garagens tenham as paredes revestidas com azulejo em vez de pintura, a resposta negativa, possivelmente, será imediata.

Se em vez de concreto usinado a construtora optar pelo concreto feito na obra, antes de dizer “não dá”, a situação requer avaliação do espaço do canteiro, o tipo de edificação, o prazo de execução, entre outros itens. Há engenheiros avessos às inovações e pesquisas, com hábitos já consolidados e que relutam em modificar seus processos. Nesse caso, cabe aos seus supervisores a identificação desse tipo de perfil, adequando-o com treinamentos e estímulos profissionais.

Marcelo Scandaroli

“Em relação aos custos de construção da obra, o engenheiro deve ter conhecimento do orçamento detalhado, assim como dos projetos e do memorial de especificação de acabamentos, definidos na fase de planejamento e de comercialização do empreendimento. É bom lembrar que o orçamento e o planejamento da construção, em geral, são realizados antes do início da obra e servem de referência para a viabilidade do empreendimento. Tais custos estão associados ao padrão do projeto e das especificações.”

Pedrinho Goldman
engenheiro civil e diretor da Pekman Engenharia

4. “Com a nossa mão de obra, impossível”
Vale lembrar que algumas das obras mais complexas e grandiosas do mundo foram executadas com mão de obra não qualificada. Então, qual o motivo desse real impedimento?

Quem vive o dia-a-dia de um canteiro, provavelmente já se deparou com essa desculpa. E parece que a questão tornou-se até um paradigma, ou seja, depende muito de como os profissionais encarregados da coordenação percebem o mundo à sua volta. “Para mudar esse paradigma será preciso mudar as ‘regras do jogo’ ou ainda estabelecer um novo conjunto de regras. De qualquer maneira, as mudanças acabarão ocorrendo. Qualquer mudança exige, antes de tudo, a vontade de querer fazer diferente. Se a única cobrança é custo e prazo, não adianta querer que ele se torne ‘expert’ em gente e qualidade”, avalia o engenheiro José Carlos de Arruda Sampaio, diretor da JDL Qualidade, Segurança do Trabalho e Meio Ambiente. Claro que há exceções no mercado e há empresas com visão mais ampla e aberta, cujos valores pautam a melhoria da qualidade como premissa maior (antes mesmo dos custos e prazos). “Claro que toda regra tem exceção, mas são poucas as obras que conseguem esse conjunto de objetivos. E aí a desculpa por não conseguir atingir os objetivos: com a nossa mão de obra, impossível.”

Qualidade histórica
Ao avaliar a qualidade de algumas obras realizadas há centenas de anos, é possível verificar que elas mantêm um grau de precisão e qualidade que impressiona. Mais ainda quando se aprofundam os estudos sobre como eram os processos de execução dessas obras, os materiais utilizados, os equipamentos, o treinamento da mão de obra. “É impossível não fazer o contraponto: vejamos o resultado final da construção das Muralhas da China (221 a.C.), da Abadia de Westminster (1050 d.C.), da Basílica de São Pedro (1506 d.C.), do Palácio de Versalhes (1624 d.C.), da Torre Eiffel (1889 d.C.) e muitas outras obras. Qual era o nível de qualificação da mão de obra na época de nossos antepassados? Qual era o nível de detalhe dos projetos? Existiam grandes programas de treinamento? A resposta mais aceitável parece estar no grau de vocação, o talento, a determinação em fazer benfeito”, contrapõe Sampaio. “O trabalhador era um artesão, o maior crítico de seu trabalho. Ele enfrentava qualquer desafio, e se preocupava em deixar sua marca para a eternidade”, argumenta.

A falta de capacitação da mão de obra não pode nem deve ser justificativa para que os bons resultados sejam alcançados. A sequência da construção precisa se transformar em procedimentos que garantam a qualidade do produto final. Claro que capacitação da mão de obra deve ser um objetivo das construtoras, mas a capacitação começa quando se investe para que os trabalhadores tenham o mínimo de instrução e conhecimento. Cabe também à empresa definir seu PGO (Plano de Gestão da Obra) com o objetivo de estabelecer as diretrizes básicas relacionadas à implementação e manutenção do sistema de gestão. Por outro lado, a forte fiscalização dos serviços, as análises críticas mensais e a avaliação periódica dos serviços das subcontratadas, visando à correção dos desvios, são fundamentais para se atingir os resultados acordados.

Marcelo Scandaroli

“Nossos engenheiros precisam conhecer mais outras obras, principalmente aquelas construídas há centenas de anos, para que se sensibilizem e manifestem o orgulho pelo trabalho de ser engenheiro, mudando sua percepção inclusive em relação aos trabalhadores que executam os serviços. A visão muda quando se consegue enxergar a importância de uma obra na vida de quem vai usufruir dela (consumidor) e também dos personagens que ajudaram a torná-la concreta e real de fato (trabalhadores). A qualidade deve ser premissa maior.”

Fonte: Téchne

Leave a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Scroll to Top